Não se recuse
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O tema da condução de veículos automotores terrestres sob efeito de álcool ou drogas que causem dependência química, é debatido, desde sempre, pelos órgãos de trânsito, na academia, nas mídias, nos parlamentos e na sociedade em geral, ao ponto de ter registro na legislação de trânsito, primeiramente no artigo 165, do Código de Trânsito Brasileiro-CTB, que prevê multa de valor elevado e suspensão do direito de dirigir como penalidades, aos que se submetem ao etilômetro e tenham constatada a embriaguez.
Ante a falta de um dispositivo legal a quem se recusasse ao teste, criou o sistema de trânsito, via resolução do Contran, o mecanismo do auto de constatação de embriaguez, pelo qual o agente de trânsito, com o auxílio de duas testemunhas, “atestavam/constatavam” que o condutor apresentava sinais físicos e pessoais condizentes com o estado etílico, tais como vestes decompostas, falar enrolado, dificuldades em andar e ficar de pé, entre outros.
O tal auto de constatação, por não ser feito por médico ou outro especialista da área de saúde, foi considerado ilegal pelo Poder Judiciário e assim abandonado pelo sistema de fiscalização e julgamento dos recursos eventualmente interpostos.
O Congresso Nacional então incluiu no CTB, pela lei nº 13.281, de 2016, o artigo 165 A, prevendo que a recusa seria infração de trânsito, punida com as mesmas sanções previstas para o artigo 165.
Contra tal dispositivo houve recurso ao STF, com fundamento de que a ninguém pode se exigir que faça prova contra si e que isto seria inconstitucional.
Em decisão monocrática da lavra da ministra Carmem Lúcia, decidindo o RE - Recurso Extraordinário nº 1.213.315, oriundo do Rio Grande do Sul, acerca do art. 165 A, em 21/06/2019, o STF fixou posição no seguinte sentido:
“ Etilômetro. Recusa do condutor em fazer o teste. Direito de não autoincriminação. Acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento”
Tal decisão foi, por largo tempo, usada por condutores que se recusavam a se submeterem ao etilômetro (bafômetro como é popularmente conhecido), como escusa a serem sancionados com as penas do art. 165 A do CTB.
Nos órgãos de julgamentos dos recursos contra infrações de trânsito, JARI e CETRAN, o tema não era pacífico, alguns davam provimento porque entendiam que o auto de infração era extraído pela presunção de que o condutor estivesse embriagado, já que a recusa seria prova disto e, ainda, que a decisão da ministra Carmem Lúcia se aplicava a todos, ou seja, que o agente de trânsito não poderia, coercitivamente, impor o teste ao condutor, pois isto seria produzir prova contra si; outros negavam, sob o fundamento de que a decisão não era autoaplicável e, que a ausência da declaração de repercussão geral, impedia a aplicação a todos os infratores recorrentes e se tratava de infração administrativa autônoma, portanto irrelevante se o condutor se recusar.
No CETRAN, na condição de presidente, sempre me inclinei na defesa da tese da auto aplicabilidade, mas como o Conselho é composto de cinco câmaras de julgamento, integrada cada uma de cinco membros, havia julgamentos díspares, que embora não concordando determinava a execução do julgado, pois não está na competência do presidente alterar julgamento das câmaras.
Diversas vezes coloquei o tema em debate nas sessões do pleno do Conselho, que é a reunião de todas as câmaras uma vez por mês, não houve consenso para a uniformização dos julgamentos e o tema continuou com decisões não uniformes.
Contudo o STF, em novo julgamento da matéria, no Recurso Extraordinário 1224374, oriundo do DETRAN/RS, com acórdão publicado em 23/09/2022, com relatoria do ministro Luiz Fux, julgando agora pelo conjunto dos ministros, por unanimidade e com repercussão geral declarada, considerou constitucional o art. 165 A do CTB, pelo tema 1079, nos seguintes termos:
Tema 1079:
Constitucionalidade do art. 165 A do Código de Trânsito Brasileiro, incluído pela Lei 13.281/2016, o qual estabelece como infração autônoma de trânsito a recusa de condutor de veículo a ser submetido a teste que permita certificar a influência de álcool.
Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 2º, 5º, caput e inc. II, 6°, caput, 22, inc. XI, 23, inc. XII, 37, caput, e 144, § 10, da Constituição Federal, a constitucionalidade do artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), incluído pela Lei 13.281/2016, sobretudo em virtude de direitos e garantias individuais relativos à liberdade de ir e vir, à presunção de inocência, à não autoincriminação, à individualização da pena, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ante a recusa do condutor em realizar teste de alcoolemia, como o do bafômetro (etilômetro).
Daí decorreu que o tema está agora definido, quem se recusar a se submeter ao teste do etilômetro ofertado ao condutor durante abordagem de fiscalização, estará, automaticamente, cometendo a infração de trânsito prevista no art. 165 A, do CTB, com escassa, ou nenhuma possibilidade, de ter seu recurso deferido por algum órgão de julgamento de infração de trânsito, pois dificilmente algum agente vai ofertar um aparelho com a verificação anual fora da sua validade.
Importante anotar de que a atual legislação, não mais impõe ao agente fiscalizador, a realização de uma nova aferição após a primeira, como antes previa, a chamada contraprova, que era feita algum tempo depois, geralmente 15 minutos.
Também é de registrar que a tolerância é zero, ou seja, acima de 0,4 decilitro por litro de ar expelido, que é a tolerância legal, a infração está tipificada e acima de 0,34, fica configurado delito de trânsito, passando então da esfera administrativa, para a esfera criminal, sendo o condutor conduzido a delegacia de polícia para os procedimentos legais previstos.
Conclui-se então que o certo e correto é o velho, mas sempre presente, ditado, se for dirigir não ingira bebida alcoólica ou não consuma droga psicoativa antes, não só para se proteger como para proteger outros atores do trânsito.
Não se recuse a fazer o teste do etilômetro quando for abordado por agente de fiscalização de trânsito, é uma atitude civilizada e em consonância com a modernidade.
Sergio Teixeira – Pres. CETRAN/RS