Indústria da Irresponsabildiade
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Impressionam, e assombram, as declarações veiculadas na imprensa nos últimos dias a favor da retirada dos controladores eletrônicos de velocidade das estradas federais. Temos lido que acidentes fatais são até "poucos" se comparados ao volume de tráfego e frota de veículos no Brasil. Tal afirmação beira a irresponsabilidade e a total ignorância no tocante aos estudos internacionais, como, por exemplo, do respeitado Insurance Institute for Highway Safety - IIHS, dos Estados Unidos, com atuação mundial.
Se um instituto americano, independente, fundado em 1959, e com credibilidade no mundo inteiro, afirma que radares eletrônicos (incluindo aqui os popularmente conhecidos como? móveis?, mas tecnicamente são estáticos) diminuem a velocidade, atropelamentos e choques, o que é comprovado por estatísticas, e de forma empírica por quem atua na área de forma profissional, como não levar isso em conta, desconsiderar tudo isso? Se 40 mil mortes ao ano no trânsito brasileiro são um "número baixo", então 60 mil homicídios anuais em relação aos 200 milhões de brasileiros (utilizando o mesmo raciocínio) devem ser tratados como algo também muito normal e não devemos nos preocupar, podendo, inclusive, abrir mão de ações que visam conter os assassinatos em nosso país. Paremos de controlar a velocidade nas estradas e de investigar assassinatos. Tudo vai ficar bem. Dentre os "argumentos" contra os radares, não podemos concordar também que 1 ou 2 km/h de excesso na velocidade não representem perigo. É sabido por todos que não existem multas por "apenas" 1 km/h a mais. Da velocidade medida pelo equipamento, são sempre descontados 7 km/h como margem de erro, e, contando uma diferença comum no velocímetro, temos quase sempre 10 km/h de excesso ao autuado. É muito preocupante a tentativa de desqualificar técnicos, estudiosos e especialistas, como se fizessem parte de um time que joga contra o país. A tecnocracia tem sim seus defeitos e devem ser entendidos e ajustados pela política, mas jamais os avanços da humanidade podem ser simplesmente desprezados, o que nos levaria a um retrocesso como sociedade. É preciso, de uma vez por todas, que entendamos que uma multa de trânsito não é uma simples conta a ser paga, na categoria de IPTU, conta de luz ou água, a escola dos filhos. Ela não pode ser vista como mais um boleto no orçamento de casa. Representa o resultado de nosso descumprimento de uma regra que nós mesmos criamos para um convívio harmônico e salvaguarda, uma necessidade no mundo moderno. Se, por um descuido, ou de forma intencional, descumprimos nossa obrigação em sociedade quando estamos no trânsito, uma reprimenda também se faz necessária, o que deveria ser acompanhada de uma reflexão pessoal e íntima, mas que em nosso país de forma geral, infelizmente, constitui-se apenas em revolta e utilização de um sistema legal fértil para procrastinar a punição. É fato notório que os acidentes fatais não são resultantes de problemas de engenharia ou de conservação das estradas, mas sim da imprudência e desrespeito ao Código de Trânsito, ao menos em sua grande maioria. Essa mentalidade simplesmente não existe em países em que a população assume a sua responsabilidade junto com o Poder Público na diminuição das mortes e dos acidentes no trânsito. Erros na fiscalização de trânsito acontecem e precisam ser corrigidos, mas não precisamos odiar ou acabar com ela, sob pena de perda de valores e objetivos maiores como sociedade e nação. Um acidente de trânsito nunca é um acidente, ou obra do acaso, um simples infortúnio, mas sim resultado de um desrespeito a uma regra de convivência como dito anteriormente. O Código de Trânsito não é algo a ser demonizado e desprezado, mas sim praticado e respeitado, pois ali colocamos a nossa vontade de respeito ao outro, como pedestres, ciclistas e motoristas. Se tínhamos algo que o Brasil vinha conseguindo evoluir, ainda que em ritmo moderado, era na diminuição das mortes no trânsito. Se você ainda enxerga um radar de controle de velocidade como uma armadilha, está na hora de rever seus conceitos de convivência em sociedade e respeito ao próximo, independentemente do partido em que você vote, igreja que frequente ou time que torça. Pense nisso.
Porto Alegre, RS, 31 de agosto de 2019
Fábio Berwanger Juliano
Diretor Presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e Diretor Técnico do Conselho Estadual de Trânsito do RS